Imagem de uma pessoa grávida com as mãos na barriga

Fotos: Franz Grünewald

Tempo de leitura: 7 min

Como é a gravidez para uma pessoa transmasculina

"Sou um pai melhor por ser trans, e não apesar disso."

*Tradução: Jade Augusto Gola

Mundo afora, gravidez e parto são temas permeados por tradições e expectativas culturais. Para muita gente, essas expectativas são relacionadas à feminilidade, ao ser mulher. Se você é gestante, suas visitas pré-natais geralmente ocorrem em "centros da mulher" decorados com fotos de corpos de mulheres grávidas. Você pode acabar lendo livros com capas floridas e rosas, que tratam você como "mamãe". Também para muitas mulheres, é difícil se identificar com a experiência hiperfeminizada da gravidez e do parto.

Então se a gravidez e a cultura do parto fazem até algumas mulheres sentirem-se desconfortáveis, como deve ser essa experiência para uma pessoa transgênero ou transmasculina?

Sim, homens transgênero e transmasculinos podem engravidar (1). De fato, eles engravidam na mesma proporção que pessoas que se identificam como mulheres e têm gravidezes mais planejadas que mulheres cisgênero (2). Mesmo assim, os sistemas de saúde não estão organizados para cuidar da gestação e do parto desses homens.

Nós perguntamos a Bennett Kaspar-Williams, pessoa transmasculina, sobre como é sua jornada pela gravidez, parto e pós-parto. Abaixo, tudo o que ele deseja que as pessoas saibam sobre a gravidez de uma pessoa transmasculina.

Os trechos da entrevista abaixo capturam as experiências individuais de Bennett. O time científico do Clue verificou todos os fatos científicos da conversa.

4.8

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Um homem trans pode engravidar durante a terapia com testosterona?

Bennett: Muitos homens transgênero ou transmasculinos tomam a testosterona. É tecnicamente possível para alguém que está ativamente sob a testosterona ovular e, assim, engravidar. Mas essa não é a maneira recomendada para alcançar uma gravidez. Depois que um homem trans para de tomar a testosterona, a menstruação eventualmente ocorrerá (se eles tiverem ovários e útero), o suficiente para a possibilidade de uma gravidez.

Como é ser trans e acompanhar a gestação nos sistemas de saúde?

Bennett: no começo eu me preocupei sobre receber um tratamento adequado e empático da parte de profissionais de saúde durante a minha gestação. Alguns países costumam ter alguns lugares especializados em gestação de pessoas trans, mas infelizmente eu não tive nenhum desses lugares perto de mim. Quando busquei por serviços de saúde, fui atrás daqueles que traziam terapias hormonais listadas em seus sites da Internet, na expectativa deles terem alguma competência em saúde trans. Acabei achando alguém que ao menos já tinha atendido uma pessoa trans antes, então foi um bom começo.

Era comum ao longo dos atendimentos eu ter que educar um pouco os enfermeiros, técnicos de ultrassom e até médicos sobre minha situação já que, francamente, ainda não há muita educação institucionalizada sobre caras trans grávidos. Os profissionais foram sempre respeitosos e tinham a cabeça aberta, mas eu tenho a sorte de morar na Califórnia. De todo modo, em todas as ocasiões eu fui a primeira pessoa trans grávida que eles já tinham visto.

Ter um bom senso de humor me ajudou também. Tudo sobre parto e gravidez é centrado na "mulher", sempre foi assim e é de fato um desafio para muita gente pensar sobre isso de maneira diferente. Você tem que sentir-se bem com o fato de estar sempre em espaços para mulher. Se isso é um problema para você, será algo traumático ou que te deixará com disforia, então talvez ser trans e engravidar talvez não seja para você. Por sorte, estar em espaços femininos não me incomodava, mas eu entendo que pode ser traumático para algumas pessoas.

Bennett Kaspar-Williams e seu marido Malik posam juntos.

Bennett e seu marido, Malik.

Como os sistemas de saúde podem ser mais inclusivos para as pessoas trans grávidas?

Bennett: A instituição da gravidez precisa ser renovada para trazer uma liberação para muita gente. A linguagem e a imagem da gravidez seriam as coisas mais fáceis de serem mudadas—isso teria um grande impacto para as pessoas não conformantes de gênero e transsexuais. Isso serviria também para mulheres que não se identificam com esse excesso de linguagem e imagética feminina. A maneira com que a gravidez nos é apresentada faz com que a gente se sinta em algum lugar o qual não pertencemos. Quando se trata da informação recebida durante a gestação, tudo é rosinha e coberto de borboletas. Isso é desnecessário quando se trata de aprender sobre o desenvolvimento do feto. Em consultas médicas de fato, a linguagem não tem gênero. Quando alguém conversa comigo sobre o crescimento do meu útero ou sobre o meu bebê se desenvolvendo, isso não traz gêneros: é apenas conversa sobre partes do corpo. É a cultura que permeia a gravidez que precisa mudar.

Como a cultura da gravidez pode ser mais inclusiva para as pessoas trans grávidas?

Bennett: Quase tudo que encontrei sobre a gravidez, desde fontes até produtos, era centrado no conceito de "maternidade." Isso não me fez ter disforia, mas fez eu sentir que participava de algo que não era "para mim." Neste sentido, eu gostaria que essas fontes tivessem foco apenas no que de fato é: carregar uma criança.

O conceito de "maternidade" é politizado e mercantilizado de uma maneira que não conversa com a minha experiência. Esse conceito de "maternidade", carregado de gênero, foi o que me afastou da ideia de carregar uma criança por tanto tempo, particularmente antes da transição. Se a noção de carregar um bebê fosse mais inclusiva de gênero, talvez eu tivesse tido vontade de embarcar nessa jornada mais cedo na minha vida. Foi só depois de eu encontrar nas redes sociais tantos outros homens trans nessa mesma jornada que eu percebi que a gravidez pode ser algo separado da feminilidade.

Uma foto de Bennett Kaspar-Williams e seu marido Malik com seu bebê.

Bennett, Malik e o bebê.

Como amigos e a família podem apoiar melhor as pessoas trans grávidas?

Bennett: uma das melhores coisas a fazer é dedicar tempo e energia para educar a si mesmo sobre gravidez trans, mais do que pedir para uma pessoa trans grávida fazer essa lição de casa por você. Ao invés de conversas sobre maternidade, mude a conversa para paternidade. Discuta mais especificamente sobre a cultura de ter um bebê do que reduzir isso ao gênero.

Você também pode ajudar a amplificar vozes da luta trans ao demandar mudanças nas leis nos locais em que você vive. Algumas leis evitam que um homem trans grávido seja listado como "pai" ou apareça na "filiação" na certidão de nascimento do bebê (em contrapartida a não haver a filiação "mãe"). Alguns planos de saúde e políticas de licença-maternidade não incluem homens trans como recebedores de tal direito. Aliados podem ajudar na luta por mudanças nessas leis.

As pessoas ainda fazem parecer uma pessoa masculina grávida ser algo estranho, mas não é. Não é um conceito novo. Muita gente masculina tem engravidado e dado à luz desde que houve gente no mundo. Na verdade, minha relação com minha criança não é diferente—é apenas básica. Sou um pai melhor por ser trans, e não apesar disso.

O que mais você mudaria na cultura da gravidez?

Bennett: Achar roupas para a minha gestação foi um grande desafio. Camisetas de tamanho largo e calças de moletom simplesmente não são meu estilo, e essas peças não me faziam sentir bem sobre minha aparência. Depois de muita pesquisa, eu finalmente achei roupas de gênero neutro para gestantes na ASOS. Gostaria que houvesse roupas para pessoas grávidas com design pensados em uma estética masculina.

Bennett Kaspar-Williams e seu marido com seu bebê.

Você pode acompanhar a jornada de Bennett pela gravidez no Instagram @bennettonpurpose. E seu marido, Malik, está em @designedbymalik e @malikdubs.

Se você apoia e quer colaborar com as pessoas transgênero grávidas, Bennett sugere este filme, em inglês, feito pelo cineasta trans Freddy McConnell, um documentário sobre sua própria gravidez e seus desafios. Você pode ainda consultar este guia útil com dicas e estratégias para ser um grande aliado das pessoas trans.

No Brasil

Se você trabalha com saúde e quer aprender mais sobre como prover melhor atenção e atendimento às pessoas transgênero, acesse este guia do Ministério da Saúde do Brasil e também esta cartilha da cidade de São Paulo.

E no Clue!

Aqui no Clue, nós reconhecemos que, para uma pessoa trans ou não conformante, uma gravidez pode ser grande causa de disforia de gênero quando profissionais de saúde não têm o treinamento e o atendimento adequados. O modo de Gravidez do Clue foi idealizado para incluir todos os tipos de pessoas grávidas. Ele é neutro em gênero para reduzir a possibilidade de disforia ao máximo. E este novo recurso é baseado em ciência e cheio de informações que você precisa saber sobre a gravidez e o desenvolvimento fetal.

Você pode acompanhar mais sobre gestação e a função Gravidez do Clue em nosso Instagram e Twitter.

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