Ilustração: Marta Pucci

Tempo de leitura: 10 min

A maconha ajuda a aliviar dores menstruais?

*Adaptação ao português: Jade Augusto Gola e Mariana Rezende

Ao longo da vida, mulheres e pessoas que menstruam buscam formas de reduzir ou eliminar as dores menstruais, e a solução mais comum é tomar algum analgésico de venda livre ou receitado por médicos. No entanto, pode-se aliviar dores menstruais com métodos diversificados e alternativos ao uso continuado de analgésicos.

O uso de plantas medicinais é uma opção para o tratamento de doenças (ou para previnir seu surgimento). Deste modo, o uso de maconha pode ser uma opção para diminuir a dor menstrual, entendida como "a dor pélvica crônica de origem ginecológica, que se apresenta durante o ciclo menstrual, chamada de cólicas ou menstruação dolorosa, afetando um grande grupo de mulheres" (1).

O uso da maconha para tratar dores já foi identificado em diferentes lugares do mundo, como na Índia e na China, antes do início da era cristã. Segundo estudos de caráter histórico, a introdução da maconha às Américas se deu através do tráfico de escravos provenientes da África, levados ao Brasil e que traziam consigo esta planta para aliviar dores menstruais e dentárias (2).

A maconha e as dores menstruais

O nome científico da maconha é Cannabis sativa e ela pertence à espécie das herbáceas e à família Cannabaceae, que tem propriedades psicoativas. Seus principais compostos são Δ9-Tetrahidrocannabinol (9-THC), Δ8-Tetrahidrocannabinol (8-THC), cannabidiol (CBD) e cannabinol (CBN).

De acordo com estudos fisiológicos, foram encontrados no corpo humano receptores canabinoides (CB1 e CB2) que estão ligados à regulação de funções vitais como a dor (11); esses receptores canabinoides presentes no corpo humano têm uma alta capacidade de resposta ao ingrediente psicoativo da maconha (THC).

Uma compilação de estudos acerca das propriedades medicinais da maconha demonstra sua utilidade no tratamento de:

  • dores crônicas e de problemas mentais,

  • doenças neurológicas, do sistema digestivo e de estados nutricionais (3).

No entanto, ainda são poucas as pesquisas para tratar do impacto da maconha no alívio de dores menstruais, mas já se pode destacar a pesquisa realizada em 2018 pela University of British Columbia, de Vancouver (Canadá). Os pesquisadores perguntaram a uma amostra de 192 mulheres se elas haviam consumido maconha para o alívio de dores menstruais; 170 responderam que haviam usado e, entre estas, 152 responderam que sim, a maconha ajudou a diminuir as dores menstruais (12). As participantes disseram que as formas mais comuns do consumo de maconha foram fumada e comida.

Outra investigação científica evidenciou que as mulheres usam maconha para o alívio das dores menstruais e também outros tipos de enfermidades. Estudo realizado em Los Angeles (EUA), com uma amostra de 40 jovens adultos entre 18 e 26 anos, indagou sobre o uso medicinal da maconha e ilustrou como exposição aos fatos sobre a maconha permitiram conhecer suas propriedades medicinais (13). Essa mesma pesquisa mostra como a relação que os usuários de maconha estabelecem com os dispensários (os pontos de venda de maconha legal) permite que se aprofunde o conhecimento sobre as propriedades medicinais desta planta e sua relação com a saúde das pessoas.

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Panorama mundial sobre o uso da maconha

Mundialmente, é possível notar uma tendência a favor da legalização da maconha para uso médico. No caso da América Latina, são notórias as legislações nas primeiras décadas deste século a favor do uso médico. Mas antes de nos aprofundarmos sobre a legislação de alguns países da Europa, América do Norte e da América Latina, é importante esclarecer os tipos de uso desta substância e conhecer os argumentos que costumam respaldar a proibição ao seu consumo.

Os usos da cannabis

Podem ser identificado diversos usos da cannabis:

  • Fins médicos: utilização que beneficia a saúde das pessoas, ao reduzir sintomas de doenças ou permitir o seu diagnóstico.

  • Uso científico: uma substância que tem este fim é utilizada como ferramenta para investigar sua atuação na saúde e nas doenças das pessoas (3).

  • Uso recreativo: tem como fim divertir ou proporcionar prazer às pessoas no exercício do desenvolvimento de suas personalidades.

A proibição da maconha

Em legislações mundo afora, os critérios mais usados para proibir qualquer tipo de consumo da cannabis são:

  • O caráter psicotrópico da planta, ou seja, a alteração do sistema nervoso central.

  • O aspecto viciante, que consiste na dificuldade em controlar o seu consumo.

Tais aspectos, além de criminalizar os consumidores de maconha, impactam o desenvolvimento de pesquisas científicas sobre o tema ao impor diversas barreiras, como a ausência de financiamento econômico por parte de instituições públicas, além de acentuar o estigma social para estes tipos de pesquisa (3).

Abaixo, um resumo dos pactos internacionais de controle de substâncias psicoativas a partir de suas principais convenções (3):

  • Em 1912 acontece a Convenção Internacional do Ópio na cidade de Haia (Países Baixos), onde são estabelecidas indicações para controlar a produção de cannabis.

  • Em 1961, durante a Convenção Única sobre Entorpecentes realizada em Nova York (Estados Unidos), a cannabis foi proibida e estipulou-se um controle rigoroso sobre seu uso médico e científico. O uso religioso e medicinal da maconha ficou permitido, à época, apenas na Índia.

  • Em 1988 os países signatários da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas realizada em Viena (Áustria) concordaram em tipificar como delito penal a realização de qualquer ação em torno de qualquer substância psicotrópica: produção, distribuição, venda, posse, importação e/ou exportação. Curiosamente o consumo não foi tipificado como um delito.

Ainda sobre a esta última convenção, é importante esclarecer que os países são autônomos para fazer reformas em relação ao tema, não se desviando dos marcos firmados; as convenções anteriores seguiram vigentes (4).

Panorama mundial

Países como Canadá, Estados Unidos e os Países Baixos se destacam por suas políticas recentes simpáticas ao uso da cannabis. No caso do Canadá, desde 17 de outubro de 2018 é permitido o uso recreativo e medicinal (5). Nos EUA, mais de 20 estados já permitem seu uso medicinal, e nos Países Baixos desde 2001 se permite o uso medicinal e para pesquisas científicas, além de ser permitidos venda e consumo de drogas leves sob um controle rígido (3).

No caso da Espanha é permitido o uso da cannabis apenas por prescrição médica; e a maconha é a droga ilegal mais consumida entre jovens e adultos jovens (6).

Em Portugal

Desde o início de 2019, o uso da cannabis para fins medicinais foi oficialmente regulamentado em Portugal. A partir da lei aprovada em 18 de julho de 2018, o Decreto-Lei nº 8/2019 estabelece a legalidade do uso de "medicamentos, preparações e substâncias à base da planta canábis para fins medicinais". (7)

Para que as substâncias à base de cannabis sejam introduzidas ao mercado, elas precisam passar pela aprovação da Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde). As recomendações terapêuticas da planta pelo Infarmed – apenas em casos que os tratamentos convencionais e autorizados não surtem efeitos ou causam reações adversas – vão de náuseas e vômitos resultantes de quimioterapia, dor crônica e epilepsia, entre outros. (8)

Antes da regulamentação formal, o óleo de canabidiol era comercializado em Portugal como suplemento alimentar, algo que mudou com a nova legislação. Segundo o Observatório Português da Canábis Medicinal (OPCM), a regulamentação ainda não está clara e a burocracia torna o processo de acesso do consumidor mais lento. Bruno Maia, neurologista do Hospital São José, em Lisboa, afirma que, na prática, as pessoas acabam por precisar importar os medicamentos de outros países da União Europeia e com a legislação "em um limbo", correm o risco de ter suas encomendas apreendidas pela alfândega. (9)

O uso recreativo da substância ainda não foi regulamentado no país, embora tenha sido descriminalizado em 2001. Atualmente, "as autoridades portuguesas não prendem ninguém que tenha em sua posse aquilo que é considerado inferior a uma quantidade suficiente para um consumo de 10 dias – um grama de heroína, ecstasy, ou anfetaminas, dois gramas de cocaína, ou 25 gramas de canábis". (10)

América Latina e Brasil

Um caso marcante é do Uruguai, que desde 2013 permite o uso da maconha para fins recreativos, medicinais, científicos e industriais (11); o caso uruguaio serve de vitrine para os países da região e para o resto do mundo pelo desenvolvimento firme e focado de políticas a favor dos diversos usos da maconha.

No Brasil, desde 2014 é permitido o uso medicinal da planta e a importação de produtos que contenham cannabis (3). Em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) brasileira aprovou medidas para liberar a maconha para fins medicinais e científicos, e o Supremo Tribunal Federal tem em sua agenda a discussão sobre a liberação para os usos que não o recreativo. (12)

Desde 2017 a Argentina permite o uso médico e com fins científicos. No Chile, desde 2015 se permite o uso medicinal e científico da cannabis; no México, desde 2017 se permite a cannabis também para uso medicinal e científico, e no Peru também, desde 2017 se autoriza a maconha para fins médicos e científicos (3).

Na Colômbia, são notáveis dois momentos-chave sobre o uso da maconha: primeiro, em 1994, através da sentença c-221 que permitiu o porte de dose pessoal (20 gramas) de cannabis (13). O segundo momento-chave foi um decreto de 2018 que cancelava o porte desta dose pessoal de maconha, dando poder à polícia a apreender e destruir a erva sem importar a quantidade, além de sancionar ao portador uma multa (14).

Apesar deste novo decreto, permite-se na Colômbia o uso médico e científico da cannabis sob o controle do Estado.

Novas perspectivas e formas de consumo da maconha

As novas perspectivas que sobre o uso da cannabis partem da flexibilização das políticas acerca de seu uso e também do reconhecimento de sabedorias populares e tradicionais que denotam como seu consumo é antigo e que beneficia a saúde das pessoas. Por exemplo, na Colômbia, o coletivo Yerbateras usa a cannabis não apenas para aliviar as dores menstruais, mas também como lubrificante íntimo (15).

O coletivo parte de um pressuposto feminista de usar plantas medicinais para beneficiar a saúde de mulheres e pessoas que menstruam. As Yerbateras nos contaram que esta abordagem serve para promover e fortalecer o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos mediante remédios, objetos, pomadas, misturas e poções da vida cotidiana.

A ideia de usar a maconha como alívio para dores menstruais, para o coletivo, surge a partir de pesquisas, recomendações e experimentos pessoais que respaldam o benefício da cannabis como analgésico, anti-inflamatório, sedativo e antiespasmódico; e também como ato de protesto que questiona a proibição histórica à planta:

"A maconha é uma planta de uso ancestral que foi estigmatizada, penalizada e levada ao ostracismo desde as colônias até estes tempos pós-modernos, por isso vimos a necessidade de reconectar seu potente poder de cura, fazê-la visível a partir do cotidiano como parte do ciclo vital das mulheres e seres com capacidade de menstruar"– Colectivo Yerbateras.

O coletivo Yerbateras menciona que as pessoas são receptivas ao trabalho com a maconha, já que se estabelece um "diálogo pedagógico que desmistifica construções culturais sobre o uso da cannabis". E acima de tudo, as pessoas relatam melhorias na qualidade na saúde sexual e ginecológica.

Em resumo: a autonomia das pessoas e a abertura política de alguns países têm permitido que se criem novas formas de usos da cannabis, como azeites e supositórios vaginais de maconha (15), que podem representar novas possibilidades de alívio para dores menstruais.

Contudo, diversas pesquisas reforçam como o uso constante de maconha pode ter contraindicações para a regulação do ciclo menstrual. Um estudo realizado em um grupo de 47 mulheres de idades entre 17 e 29 anos, consumidoras habituais de maconha (por ao menos um ano), revelou alterações na secreção hormonal – estrogênios, progesterona, gonadotrofinas, prolactina e testosterona –, que atua na regulação do ciclo menstrual, que faz com que tenhamos ciclos menstruais mais frequentes, em comparação com o grupo de mulheres que não eram consumidoras de cannabis (16).

A diversidade de propostas para o consumo e o uso da maconha facilitam que seu uso seja popularizado e pode motivar que mais pesquisas científicas sejam feitas para conhecer, a partir de sua complexidade, os efeitos da maconha em mulheres e pessoas que menstruam.

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