Ilustração: Marta Pucci

Tempo de leitura: 11 min

Por que a taxa de partos por cesariana é alta na América Latina?

História, motivos e riscos da realização do procedimento.

*Tradução: Jade Augusto Gola

Nos últimos anos se tem observado como o número de partos por cesariana é alto na América Latina, em comparação a índices internacionais.

Neste artigo, nos aprofundaremos sobre as cesarianas: um breve histórico, os motivos que justificam sua realização e as implicações para a saúde materna e fetal, a fim de conhecer quais são as razões que podem levar a taxa de realização deste procedimento ser alta na América Latina.

Índices de cesarianas em países da América Latina

A taxa de realização de cesáreas em vários países da América Latina dista muito da taxa ideal recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda o índice se encontre entre 10% e 15%.

Ultrapassar este índice pode denotar que não se revisam detalhadamente as possíveis consequências de tal procedimento em mães e nos bebês; além disso, elevadas taxas de cesáreas não implicam uma redução da mortalidade materna e neonatal (6).

Segundo um informe realizado pela revista médica The Lancet, a partir de informação coletada em 169 países, 21% dos nascimentos em todo o mundo no ano de 2015 foram por meio de cesarianas. Nos países da África ocidental e central a taxa é de 4.1%. Na Europa ocidental a taxa de cesárea é de 26% (8).

Na América Latina a taxa de cesárea é de 44.3% (8), muito mais alta que os 10-15% recomendados pela OMS.

O país da região com a maior taxa de cesáreas é a República Dominicana com 58.1%, seguida pelo Brasil com uma taxa de 55.5%, Venezuela com 52.4%, Chile com 46%, Colômbia com 45.95%, Paraguai com 45.9%, Equador com 45.5%, México com 40.7% e Cuba com 40.4% (8).

Apesar de que determinar os fatores específicos do aumento de cesariana seja uma tarefa complicada, já que não há pesquisas suficientes, é possível identificar alguns fatores sociais e institucionais.

Quando se trata de aspectos sociais, por exemplo, Brasil e Chile contam com maior probabilidade de um parto por cesariana se a família conta com renda média para alta. E institucionalmente, em hospitais privados a taxa de cesáreas se apresenta maior do que em hospitais públicos (7).

Cesariana: definição e um pouco de história

A cesariana é um procedimento cirúrgico que permite a saída do feto do útero materno; em termos médicos a cesariana "consiste na extração do feto por via abdominal através de uma incisão no útero" (1).

A história dos primeiros partos por cesarianas é bastante confusa. Algumas fontes afirmam que o imperador romano Julio César nasceu por meio desse procedimento, e que a palavra cesárea deriva da palavra césar. Outros relatos contam que na Grécia antiga houve uma lei que indicava como se devia extrair os fetos do útero antes de se enterrar o cadáver de uma mulher grávida (2).

Outras revisões históricas dão conta de registros de realizações de cesáreas desde o ano 1581; o parto por cesárea aparece no Novo Tratado da Histerotomia do francês Francois Rousset. No entanto, restam dúvidas se o médico de fato realizou o procedimento, ou apenas o observou (3).

Foram descobertos registros de cesarianas realizadas no ano 1610 na Alemanha, mas a mulher que recebeu o procedimento faleceu poucos dias depois da intervenção. Há registro também de um caso exitoso realizado em 1793 na Inglaterra em que a mulher conseguiu sobreviver (3).

Na América Latina, há registro de cesarianas feitas em mulheres grávidas falecidas com a finalidade de se batizar o feto, mesmo que ele não estivesse vivo (3).

A princípios do século XIX, a prática da cesariana era muito polêmica. Para regulamentar seu exercício, a igreja expediu e 1804 um documento com estritas indicações que limitavam sua realização no Novo Reino de Granada (região que hoje engloba Colômbia e Venezuela). Tais instruções destacavam a importância da autoridade paroquial em verificar a morte da mulher antes da realização da cesariana (4).

Registros revelam que a primeira cesariana realizada na América Latina foi na Venezuela em 1820. A mulher submetida à operação morreu após dois dias e crê-se que seu filho viveu até 1900 (4).

Dessas cesarianas pioneiras de que se tem registro destacavam-se três grandes riscos para gestantes:

  • Eram altas as probabilidades de morte por hemorragia.

  • Uma possível causa mortis era por infecção, já que não se havia conhecimentos profundo sobre o uso de antibióticos.

  • Não havia procedimentos adequados para o manejo da dor nesta intervenção (3).

Por que se realiza um parto por cesariana?

As justificativas médicas pelas quais se realiza uma cesárea são variadas, e se distinguem em dois grupos: cesáreas de indicação materna e cesáreas de indicação fetal.

Cesáreas de indicação materna

São, por assim dizer, aquelas que buscam diminuir o risco para a pessoa gestante e se realizam por motivos variados, entre os quais:

  • Cesárea anterior,

  • estreiteza da pélvis,

  • presença de obstrução no canal do parto,

  • tumores,

  • malformações,

  • placenta prévia-a placenta pode obstruir o canal do parto se implantada sobre o colo do útero,

  • hemorragia por desprendimento de uma placenta bem implantada,

  • outras hemorragias no geral,

  • hipertensão severa (como pré-eclampsia),

  • falta de progresso no trabalho de parto (quando o parto não avança adequadamente) (1, 14).

Cesárea por indicação fetal

Do mesmo modo, a realização acontece para diminuir riscos para o feto. Entre as causas:

  • Anomalia de apresentação ou de posição (como quando o bebê está sentado ou atravessado),

  • monitorização intraparto que note dados de sofrimento fetal,

  • anomalia fetal,

  • malformações,

  • prolapso do cordão umbilical (que leva oxigênio ao bebê; se o cordão sai pela vagina é um indicador de cesárea urgente),

  • prevenção de distocia de ombro (quando o bebê sofre risco de ficar preso no canal do parto por ser muito grande em comparação à pelvis maternal),

  • parto muito prematuro,

  • distocia de apresentação em gêmeos (quando os bebês não estão acomodados adequadamente),

  • e restrição de crescimento intrauterino severo (quando o bebê não cresceu o necessário por mau funciomaneto placentário (1).

E pode ser também uma causa mista a desproporção cefalopélvica, quando se considera que o bebê não conseguirá passar pelo canal do parto por ser muito grande ou porque a pélvis maternal não se encontre adequada (1).

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Quais são os riscos de partos por cesariana?

Junto das indicações iniciais, é importante ressaltar que a cesárea é uma intervenção cirúrgica e traz, portanto, riscos próprios deste tipo de procedimento:

  • Riscos anestésicos e de medicamentos (como a presença de efeitos adversos ou reações alérgicas).

  • Riscos próprios da intervenção cirúrgica–as possíveis complicações que estão presentes em qualquer cirurgia mesmo que o(a) paciente não porte fatores de riscos.

  • Riscos relacionados ao futuro reprodutivo da pessoa gestante (1).

Realizar uma cesariana traz riscos para quem pare e para o neonato. Profissionais de saúde, de acordo com o tipo de cirurgia, devem alertar para os riscos mais frequentes. Os riscos para a saúde de quem pare podem ser de curto e longo prazo (5, 6):

O risco de hemorragia é maior ao se realizar uma cesariana do que em um parto vaginal, e essa é a principal causa de morte materna mundialmente. É mais frequente dentro das primeiras 24 horas depois de um parto vaginal do que de um parto por cesárea.

Assim, a hemorragia constitui o principal risco imediato para a saúde e a vida maternal (14).

Os riscos de longo prazo destacáveis são múltiplos e se relacionam com dificuldades nas gravidezes seguintes. Entre eles, alterações placentárias e ruptura uterina (15).

Alterações da placenta

Chama-se "placenta prévia" à complicação caracterizada pela placenta se localizar na parte baixa do útero (obstruindo o canal do parto) ao invés de implantar-se na parte alta do útero, como é o normal. Esta situação está relacionada com o antecedente de cirurgias prévias no útero.

Alguém que já fez cesariana tem maior risco de que sua placenta fique mal posicionada, já que ela pode prender-se em cicatrizes remanescentes da cesárea anterior e, assim, não posicionar-se adequadamente. Tal situação pode ser problemática durante uma gravidez pois afeta a saúde e põe em risco a vida durante toda a gestação, devido à possibilidade de uma hemorragia surgir a qualquer momento, sem aviso prévio.

Ruptura uterina

O risco de que o útero se rompa em uma nova gravidez aumenta quando se tem antecedente de cesariana, variando de acordo com o tipo de procedimento realizado. Se há antecedente de duas cesáreas não se recomenda ter trabalho de parto pois o risco de ruptura uterina é ainda maior (durante o trabalho de parto o útero se contrai constantemente, e se há antecedente de cesarianas há maior risco de ruptura do útero).

É possível evitar o trabalho de parto por meio de uma cesárea programada.

Perigos ao neonato

Os riscos que podem ser implicados ao neonato com a realização de um parto por cesariana são (5):

  • Alterações pulmonares: recém-nascidos de cesariana podem ter mais problemas de adaptação ao meio extrauterino do que bebês nascidos por parto vaginal.

  • Lacerações fetais: acontece majoritariamente em cesáreas de urgência ou em recém-nascidos que acomodados em uma posição cuja extração seja difícil.

  • Aumento no ingresso de unidade de terapia intensiva (UTI).

  • Incidência de parto prematuros e mortalidade neonatal 1.5 vez mais frequente.

Preferências médicas e maternas por um parto por cesárea

Ainda que sejam múltiplas as causas do aumento no número de cesarianas, é possível assinalar algumas razões relacionadas às decisões médicas, por exemplo, quando certos médicos escolhem realizar cesáreas para evitar ações legais contra si–trabalhos de parto muito demorados podem trazer complicações de saúde para gestantes e neonatos (1,9,10).

Vale ressaltar que o temor de certos médicos em realizar um parto vaginal deve-se a contextos culturais. Existe o imaginário de que o parto vaginal é um processo perigoso e doloroso, revelando o desconhecimento dos avances médicos que permitem melhores condições para o parto vaginal, como por exemplo, o melhor manejo da dor possível com anestesia local.

Se faz necessário que nas instituições de formação de médicos haja a promoção do parto vaginal, suas vantagens e que se reconheça que é um processo fisiológico que pode ocorrer sem maiores contratempos (10).

Outras possíveis causas têm a ver com o aspecto econômico, por exemplo, há tarifas diferenciadas para partos por cesariana ou vaginais, e a ausência de incentivos para promover a atenção ao trabalho de parto.

Também a excessiva carga horária de profissionais de saúde podem levá-los a conduzir atividades que requerem menos tempo, como é o caso de uma cesariana que se pode realizar em um tempo definido, em contraposição a um trabalho de parto vaginal, em que não é possível determinar o tempo requerido para o trabalho de parto (9,10).

Um estudo publicado em 2017 pela revista mexicana Perinatología y Reproducción Humana fez uma revisão bibliográfica sobre a preferência materna por cesarianas. O estudo ressaltou que, apesar da preferência materna por cesarianas ser baixa, há motivos pelos quais gestantes pedem por um parto por cesárea, como (11):

  • O temor da dor do parto vaginal.

  • Preocupações sobre o funcionamento sexual no pós-parto.

  • Inquietação sobre a segurança do bebê.

  • O desejo de parir em uma data exata.

  • Boas experiências com cesarianas anteriores (11).

Há relação entre as taxas de cesarianas e a renda econômica por país?

Em um estudo publicado no ano 2006 pela revista médica Birth: issues in perinatal care, confirmou-se a relação entre os fatores econômicos e a realização de uma cesárea. O estudo explica que, em países onde há menor renda econômica, as taxas de parto por cesarianas são mais baixas.

O estudo baseou-se na informação coletada de 119 países entre o período de 1991 e 2003, divididos em três grupos: países com renda econômica baixa (59 países), com renda mediana (32 países) e com renda econômica alta (29 países).

Foi revelado que na maioria dos países de baixa renda a taxa de cesariana oscila entre 0 e 10%. Em contraste, um número significativo de países de renda alta e média tem taxas de cesárea acima dos 20%. Pode deduzir-se que a renda econômica pode ser um fator que influencia a realização de um parto por cesariana (12).

É possível observar que, para a América Latina, há uma relação entre a renda econômica—média e alta—e a realização de cesáreas, segundo os dados trazidos ao longo do estudo. Não obstante, essa relação teria algum significado apenas para essa região. Haveria outros fatores que incidem em realização de cesarianas na Europa ocidental.

Outro aspecto importante a mencionar é que não há um sistema internacional padronizado que permita monitorar este procedimento e que possa oferecer estratégias para deter o aumento de sua incidência.

Mas a OMS recomenda utilizar a Classificação de Robson, um sistema que pode ajudar a se tomar uma decisão sobre a realização de uma cesárea, baseado no conhecimento das seguintes características das pessoas gestantes

  • Paridade (número de gestações).

  • Começo do trabalho de parto (espontâneo ou induzido).

  • Idade gestacional.

  • Apresentação fetal e quantidade de fetos (6).

Em resumo

É necessário reconhecer que as motivações para a realização de um parto por cesariana são múltiplas, e podem estar relacionada ao contexto econômico e social dos países.

Ainda, influenciam também as decisões pessoais de gestantes.

Mas é importante ressaltar a complexidade do procedimento e as possíveis consequências que podem ser acarretadas na saúde sexual e reprodutiva das pessoas gestantes.

Ter informação confiável sobre este procedimento ajuda a se tomar boas decisões para a saúde e bem-estar de gestantes e recém-nascidos.

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